RESENHA: A Fúria e a Aurora (Ahdieh, Renée)
- Laura Machado
- 9 de ago. de 2019
- 7 min de leitura
Sinopse:
Personagem central da história, a jovem Sherazade se candidata ao posto de noiva de Khalid Ibn Al-Rashid, o rei de Khorasan, de 18 anos de idade, considerado um monstro pelos moradores da cidade por ele governada. Casando-se todos os dias com uma mulher diferente, o califa degola as eleitas a cada amanhecer. Depois de uma fila de garotas assassinadas no castelo, e inúmeras famílias desoladas, Sherazade perde uma de suas melhores amigas, Shiva, uma das vítimas fatais de Khalid. Em nome da forte amizade entre ambas, Sherazade planeja uma vingança para colocar fim às atrocidades do atual reinado. Noite após noite, Sherazade seduz o rei, tecendo histórias que encantam e que garantem sua sobrevivência, embora saiba que cada aurora pode ser a sua última. De maneira inesperada, no entanto, passa a enxergar outras situações e realidades nas quais vive um rei com um coração atormentado. Apaixonada, a heroína da história entra em conflito ao encarar seu próprio arrebatamento como uma traição imperdoável à amiga. Apesar de não ter perdido a coragem de fazer justiça, de tirar a vida de Khalid em honra às mulheres mortas, Sherazade empreende a missão de desvendar os segredos escondidos nos imensos corredores do palácio de mármore e pedra e em cenários mágicos em meio ao deserto.
O QUE EU ACHEI:
Apesar da minha nota ser 2 estrelas, esse não foi um livro que me decepcionou realmente e ainda estou disposta a ler a continuação. Tenho muitas críticas a fazer, mas acho bom manter em mente que a leitura não foi terrivelmente desagradável, ainda que o livro não seja bom, e eu consegui gostar o suficiente para querer mesmo ler o segundo e descobrir o que acontece.

Só que tem muita coisa ruim nesse livro, a começar pela ideia base. A sinopse dele é interessante, porque Mil e uma Noites é uma história interessante. Mas quando você lê uma releitura, quer ver como o autor interpreta detalhes importantes da história original, mas transforma em um livro novo. Infelizmente, A Fúria e a Aurora não é original o suficiente. A autora basicamente expandiu a história original, acrescentando detalhes paralelos que em nada realmente mudavam a base de Mil e uma Noites. Esse livro deve ser bem irritante para quem já leu e gostou do original. Mas esse é dos menores problemas do livro. O maior deles é a escrita. Renée Ahdieh sabe, sim, descrever as coisas muito bem, com detalhes sensoriais e uma atmosfera intoxicante. Ela é ótima nessas partes, mesmo eu tendo achando que ela exagerou na quantidade delas (depois da vigésima descrição de roupa, comidas e lugares, eu já tinha perdido o interesse em imaginá-los). O problema começa quando ela tenta descrever ações das mais simples com toda essa poesia desnecessária. Tento sempre manter a mente aberta para o tipo de linguagem que o autor quer dar para a história, mas não consegui gostar de uma narrativa tão poética e exagerada, principalmente quando os diálogos deixavam a desejar nesse quesito de vez em quando. Aliás, a autora parece ter se preocupado tanto, mas tanto com a descrição de tudo e as palavras que usaria em cada frase, que ela se esqueceu de que estava escrevendo um livro, que precisava ter enredo, desenvolvimento e, mais importante de tudo, lógica. Praticamente nada nesse livro convence. É tudo tão mal explicado e sem sentido, que a cena em que a Shazi descobre "o grande segredo" perdeu seu peso quando eu não consegui entender por que ela esperaria algo diferente. Ela foi inconsistente desde o começo com as explicações da situação, do que a protagonista pensava e queria, de tudo. É tudo tão vago, que fico me perguntando se alguém vive mesmo nessa cidade. Será que a autora deu por entendido que todo mundo saberia que é uma cidade e achou que não era necessário explicar como as mulheres antes dela eram levadas para se casar e que tipo de reação as pessoas tinham naqueles momentos? E que pessoas eram essas que viviam nessa cidade? Sério, a criação do mundo se resume basicamente ao palácio. Se me falassem que o palácio ficava no meio do nada, sem qualquer cidade em volta, eu acreditaria, porque em nenhum momento qualquer informação contradiz isso. Não tenho ideia de quem é o povo dessa cidade, de como eles são e como vivem, que diferença faz para eles saber que 72 - setenta e DUAS, não dez, - garotas jovens foram mortas depois de um dia de casadas com o rei. Nenhum povo levaria tanto tempo assim para ter uma reação sem ao menos uma explicação. A autora se esqueceu de que devia ter outras pessoas morando nesse mesmo país? O que mais não convence, aliás, são os personagens. Vou deixar claro aqui que eu adoro a Shazi, não acho ela realmente mimada, só teimosa e de personalidade forte, o que é bem bacana. Não tinha a menor vontade de vê-la facilitando tudo para todas as pessoas à sua volta, que a tratavam como alguém que não sobreviveria ao nascer do sol (coincidência, né?). A pergunta mais importante do livro inteiro não é nem "por que matar todas as outras", e sim "por que não ela?", e eu acho que ela tem personalidade para explicar de um jeito satisfatório (e só uso a palavra satisfatório, porque duvido que dentre as 71 garotas antes, não teve uma única com tanta personalidade. Me recuso a aceitar que a Shazi é a única especial e todas as outras mulheres do mundo não valem nada perto dela. Mas ainda é satisfatório, porque deixei de esperar que esse livro seja realista nesse ponto). Como disse, eu gosto da Shazi, não me incomodei com suas histórias e gosto da relação dela com o Khalid. Só que, na primeira noite dos dois juntos, depois da qual ela deveria morrer, não teve absolutamente nada de especial entre os dois! Ela só teve tempo de mostrar sua força e sua personalidade bem depois! Ou seja, foi tão forçado e mal explicado por que ele a deixa sobreviver depois da primeira noite, que o resto ficou quase impossível de convencer. Além disso, a inconsistência na criação da Shazi foi absurda! Ela chega no palácio sem qualquer plano, sem tentar criar planos, sem avisar ninguém e seu desenvolvimento de pensamento é cheio de falhas e não faz o menor sentido! Teria sido melhor se ela tivesse se preparado durante alguns dias, estudado venenos, sei lá. Ou pelo menos que ela tivesse se sacrificado por outra razão, ou até mesmo ter sido pega sem querer. Porque, vamos admitir, a tal Shiva, sua amiga, não é nada nessa história. Ela não tem personalidade, nem aparece em cena nenhuma (nem em memórias). A Shazi nem tenta lembrar de como era a relação entre elas, só diz que eram melhores amigas e que se importava com ela, como se o leitor fosse acreditar sem qualquer prova. E é provável que a autora tenha feito isso só para diminuir o peso da traição quando o romance começasse. Talvez a Shazi conseguisse esquecer, mas os leitores teriam que perdoar também e isso não seria fácil. Existem outros problemas nos personagens. A Despina, por exemplo, que é a criada da Shazi, diz em uma parte que foi trazida para o país como escrava e ninguém nem se preocupa com isso. A Shazi diz se importar com ela, então por que a questão da garota ter sido tirada da mãe e trazida como escrava não faz com que ela nem pare e pense um pouco sobre sua vida? E, pior, ela não tem o menor respeito pela Shazi! As duas são bem parecidas (tem uma hora que a conversa delas não tem explicação de quem é quem, e eu não consegui identificar nenhuma delas) e desde a primeira interação com a Shazi, ela praticamente xinga a Shazi e briga com ela. Quando elas ficam amigas, esse jeito de elas se provocarem fica legal, mas antes de ter alguma intimidade ficou só deslocado, principalmente levando em conta que a Shazi era sua rainha (ok, ela teoricamente só seria por um dia, mas mesmo assim). Além dela, Jalal e Rahim foram personagens que praticamente existem pelos melhores amigos e Tariq, apesar de eu entender a existência dele e não odiar triângulos amorosos, poderia muito bem não ter feito tanto parte da narração.

E o Khalid... Já disse que gosto do romance, mesmo que, na minha opinião, ele tenha sido tão rápido e inexplicado quanto o resto, mas o Khalid é um problema para mim. A culpa é totalmente minha, porque eu fiz a besteira de não perceber pela sinopse que ele seria bem do tipo de homem super poderoso, incompreendido e que sofre em silêncio, mas que é apaixonado pela protagonista a ponto de querer defendê-la até de coisas que não são realmente ameaças. Ou seja, um cara que está sempre a um fio de ser violento, mas que a autora deixa claro que nunca é violento com a Shazi. Eu definitivamente não consigo entender por que alguém gostaria de um cara assim e não gosto de histórias em que mulheres fortes "salvam" esse tipo de cara da solidão e desse tormento, como se eles não fossem homens adultos e responsáveis pelas suas próprias vidas. O que mais me incomoda, aliás, é a violência dele. Ele não é um monstro só por matar as mulheres no dia seguinte do casamento, mas por todas as outras coisas violentas que faz e nem percebe (que, aliás, tem orgulho de fazer). Por que é necessário ele ser tão forte e letal? Alguém me explica por que tantos livros têm homens assim? Por que editoras e autores vêem isso como algo atraente? Quem quer um cara que vai bater no seu ex-namorado só porque ele está ali? Quem quer um cara que está disposto a matar alguém por olhar torto para ela? Por que essa violência é vista como aceitável? Na vida real, caras assim não poupam a mulher da sua agressividade. Livros como este estão propagando a ideia de que essa violência em um cara não é um sinal de alerta, quando é. E isso seria ruim o suficiente sem minha próxima crítica. Khalid tem dezoito anos. Shazi tem dezesseis. E isso está errado. Parece que queriam colocar o livro como Young Adult, então forçaram os personagens a serem novos. Eu me esforcei muito, muito mesmo, mas nunca consegui imaginar nenhum dos dois tendo menos de vinte. Não faz sentido nenhum eles serem tão novos, ficou bem ridículo esse detalhe, o que ajudou, mais uma vez, a impedir que a história ficasse convincente. E, pior de tudo, o livro é vendido para o público de YA, que definitivamente não deveria estar aprendendo com seus livros que o homem ideal é violento. E, sim, eu tenho uma última crítica, um pouco menor. O livro é na terceira pessoa, mas o narrador não é onisciente. Ou seja, a narrativa é focada no ponto de vista de um personagem, na maior parte do tempo na Shazi. Só que a autora não dominou essa escrita ainda, porque ela colocou quase todos os pensamentos da Shazi com itálico, sem saber incorporá-lo à narrativa. Isso ficou um pouco amador, o que serviu de enorme contraste para a escrita dela em partes de descrição, que era tão boa. Não, eu não recomendo esse livro para ninguém. Só não me decepcionei, porque já tinha lido tantas críticas ruins, que esperava que fosse ainda pior e quero ler o segundo por curiosidade.
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